Contos da meia-noite: O Cemitério
- Leticia Carmo Lopes
- 6 de mai.
- 3 min de leitura
Uma história real da minha mãe, Dileusa Maria Lopes

Minha mãe não está mais nesse mundo, mas deixou muitas histórias — especialmente daquelas com um toque de suspense. Ela nos contava causos à luz de velas. Eu e meu irmão, ainda crianças, ouvíamos atentos. Talvez seja por isso que eu sempre gostei tanto de histórias. Lembro que na época dos apagões dos anos 2000, ficamos quase uma semana sem luz em casa (é verdade esse bilhete.). E era nesses momentos que as lembranças vinham e sempre eram compartilhadas.

Dileusa nasceu em Santos, em 1954, era geminiana, pesquisadora e muito religiosa. Católica devota das almas, frequentava cemitérios com frequência — um gesto de carinho, de entrega, de cuidado com os que se foram.
Não sei se você, caro leitor, já passou dos 30, mas saiba: estatisticamente falando, é nessa fase da vida que começamos a nos despedir de pessoas que conhecemos. E minha mãe, passando por esse período, deixava flores, acendia velas e fazia promessas aos santos da sua cidade natal, como a Maria Fea.
Também era supersticiosa: acreditava em trevo de quatro folhas (inclusive hoje encontrei um guardado na carteira dela)... dava três pulinhos pra São Longuinho quando achava alguma coisa, evitava passar debaixo da escada...
Mas essa história aconteceu em um dia comum, saindo do trabalho, quando minha mãe decidiu cumprir uma promessa. Já era fim de tarde — por volta das 18h — e o cemitério da Areia Branca estava prestes a fechar. O porteiro a avisou:
— Vai rápido que já vamos fechar.
Ela respondeu que era rapidinho, só queria acender uma vela. O cemitério estava vazio. Não havia ninguém. Só ela e os túmulos. Ela caminhava entre as campas (que são as lajes que cobrem as sepulturas) em direção a Capela no centro do cemitério. O som dos próprios passos ecoava alto no silêncio. Um clima pesado. Ela começou a oração no meio do caminho até o local (para garantir que tudo ocorreria bem).
Chegou sã e salva, acendeu sua a vela e começou a rezar. Depois de um tempo, viu uma senhora passando perto de onde estava. Cerca de 70, 75 anos. Cabelos grisalhos, toda de preto. Caminhava em sua direção, segurando um terço. Minha mãe sorriu para ela, aliviada por não estar mais sozinha. Mas a senhora não retribuiu. Fechou a cara e passou por ela em silêncio. Minha mãe ficou cismada, mas seguiu a sua reza, cumprindo com sua obrigação.
Foi então que, mais à frente, essa mesma mulher sentou-se em frente a uma sepultura e começou a dizer em voz alta, "Saravá!"
Aqui cabe um disclaimer: 'Saravá' é uma palavra amplamente utilizada como forma de saudação. Sua origem vem da fala de africanos escravizados e é muito presente nas religiões afro-brasileiras, especialmente na Umbanda, com o significado de 'salve' ou 'viva'.
Lembrando que o susto da minha mãe aconteceu porque o contexto contribuiu: ela estava sozinha, à noite, em um cemitério silencioso. Qualquer palavra dita em voz alta ali poderia causar um sobressalto. Foi apenas uma reação ao momento, não ao significado.
Voltando a história
Com o susto, minha mãe disse que quase caiu dura! Ela não esperava aquele berro e tratou de apressar-se na reza. Rapidamente terminou e saiu dali praticamente correndo, com o coração aos pulos e o som do salto ecoando entre os túmulos.
Aliviada, viu o ônibus dela passando no ponto e entrou. Assustada e, ao mesmo tempo, curiosa, ficou olhando pela janela na expectativa de ver a senhorinha sair do cemitério, mas ela nunca saiu de lá.
Ela se perguntava: será que era um fantasma?
O porteiro fechou os portões sem perguntar se havia mais alguém dentro. E minha mãe, tomada pelo susto, não lembrou de contar o que viu. Narrando a história pela milésima vez para mim e meu irmão (nunca cansávamos de ouvir), eu, meio cética e curiosa que sou, sempre questionava:
— Mãe, o cemitério pode ter outras saídas. Talvez ela tenha ido embora por outro caminho que a senhora não conhecia.
Ela parou. Refletiu. E, com o tempo, passou a considerar também essa possibilidade.
A moral da história
Não vá ao cemitério à noite... você pode ver mais do que gostaria. Mas fica a dúvida: era só uma senhora… ou era algo mais?
Diga-me: o que você acha?
Era uma senhorinha 👵
Era um fantasma 👻

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